
No Brasil, o dia 19 de julho é o Dia Nacional do Futebol no Brasil, esporte que veio contrabandeado na mala de um jovem aristocrata britânico, filho de um escocês e de uma brasileira. Quando Charles Miller desembarcou em São Paulo em 1894, aos vinte anos, ele trazia na bagagem um par de chuteiras, duas bolas usadas e um livro com as regras do esporte que ele conheceu e se apaixonou na Inglaterra onde havia passado os últimos dez anos.
Passado mais de um século, o produto contrabandeado se tornou o ópio do Brasil, o proclamado país do futebol. E o contrabandista, precursor desta popularização, dá nome a praça onde não só fica o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, mas também o Museu do Futebol, meu destino numa terça-feira quente de São Paulo.
Não haveria nenhuma programação específica no museu para o dia do futebol, só uma postagem no instagram sem a qual nem eu saberia da efeméride. Mas nem precisaria: o lugar já faz tanto pelo futebol que seria uma injustiça cobrar algo a mais. Obrigatório para quem gosta do esporte, o museu é uma enciclopédia interativa sobre o esporte no país.
Então não espere encontrar uma sala sobre o Arsenal do Thierry Henry ou a história completa da Laranja Mecânica de Cruyff. Você até pode encontrar isso no centro de pesquisa que funciona no local, mas o Museu do Futebol é focado no Brasil. E a ideia era ir até lá de ônibus, conhecer o espaço e depois andar pelas ruas hypadas do Higienópolis. E Quase tudo saiu como planejado.
Um brinde a teimosia

O ônibus mais indicado para ir até a praça Charles Miller era o 208-M, por isso desci o escadão da Marielle e caminhei na Rua Cardeal Arcoverde até a parada em frente a Paróquia São Paulo no bairro Cerqueira César. Insisti que estava certo e que após cinco paradas eu chegaria a praça. Até o itinerário eu sabia: o ônibus entraria na Henrique Schauman para em seguida chegar a Avenida Paulo VI, em direção ao Pacaembu.
Eu não poderia estar mais enganado quanto ao caminho escolhido, e notei logo ao entrar no bus que o trajeto correto era ir até a Rua Teodoro Sampaio onde o ônibus passaria e seguiria em direção a Avenida Dr. Arnaldo, até o Museu do Futebol. Foi como uma daquelas jogadas do Ronaldinho Gaúcho que olha para o lado e passa a bola para o outro, só que no meu caso foi mais como um gol contra.
Depois de perceber a besteira que havia feito, desci no largo da batata e optei por algo mais familiar pegando o Metrô Faria Lima até a estação Higienópolis/Mackenzie. Não tem estação perto do museu, a Clínicas na linha verde fica a 20 minutos de caminhada até a Praça Charles Miller. Pela Mackenzie/Higienópolis na linha amarela o trajeto aumenta dois minutos. No caminho parei numa banca de revistas da Praça Vilaboim para comprar uma água.
Enquanto dava um gole a capa da Revista Placar me chamou atenção. “Vai pra cima” era a chamada, acompanhada de um pedido para que Tite escale Antony, Raphinha, Rodrygo e Vinicius Jr na Copa do Mundo do Catar no final do ano. Pensei sobre isso quando lembrei que a taça da copa passou pelo museu em fevereiro deste ano. Mas eu precisava acelerar o passo, o relógio marcava 15 horas e o museu fechava às 17.
O museu

Cheguei até o Pacaembu pela Rua Itápolis, onde você consegue ver o estádio de um ponto mais alto, e pode acessá-lo através de uma escada lateral. A Praça Charles Miller é um local silencioso, exceto nos antigos dias de jogos e agora no mês de julho, durante as férias escolares, quando são organizadas atividades culturais e esportivas ao ar livre. O Museu do Futebol fica aberto de terça a domingo, das 9h às 17h00 (com permanência até 18h).
Os ingressos custam R$20 (R$10 meia) e às terças-feiras a entrada é gratuita. O acesso é pelo hall ao lado da bilheteria, no espaço chamado de “grande área”. Não foi necessário apresentar comprovante de vacinação e o uso de máscara não era obrigatório. É na entrada que o visitante encontra até o dia 29 de janeiro de 2023 a exposição “22 em campo” sobre modernismo e futebol, o qual Mário de Andrade na sua poesia antropofágica classificou como uma praga: “dessas coisas que nascem lá fora e vem, como tantas vieram, se dar bem aqui dentro.”
Contornando a Grande área, e subindo uma escada rolante quem dá as boas vindas ao museu é o Rei Pelé, que dentro de uma tela deseja uma boa visita em idiomas diferentes. O percurso pelo Museu do Futebol passa por quinze salas, em um espaço que ocupa 6 mil metros quadrados. Ele começa pela sala “Anjos Barrocos”, onde as imagens de 30 atletas (de Bebeto a Vavá, passando por Cristiane, Marta e Sissi), são exibidos em montagens holográficas como um Olimpo de antigos Deuses. E termina na Futebol Superstore, onde se não fosse por uma gola V eu teria levado a camisa retro da Holanda de 1974 com o número 14 de Cruyff nas costas.

A interatividade impera no lugar. São vários os espaços em que o visitante pode rever gols, dribles e momentos marcantes do futebol brasileiro. Eu por exemplo, parei para ouvir o relato do jornalista Sérgio Xavier Filho sobre a conquista do Grêmio em 1981, e pude ouvir as torcidas do Athlético Paranaense e do Fluminense bradando seus cânticos na sala “Exaltação”. Mas claro que também não falta história no museu.
A “Sala das origens” mostra através de fotografias como era o Brasil quando o futebol chegou aqui, e há também uma sala apenas para números diversos como o maior (183 mil pessoas no Maracanã em 1969) e o menor (55 pessoas no Olímpico em 1997) público já registrado em um jogo do campeonato brasileiro. Foi nela que encontrei a lista dos primeiros times de futebol registrados no país e confirmei que o Dia Nacional do Futebol, instituído em 1976 é em alusão a data de fundação do time mais antigo em atividade, o E.C. Rio Grande, fundado no dia 19 de julho de 1900.
Entre todas as salas, meu destaque vai para a das “Copas do Mundo”, dividida em totens que contam os fatos ocorridos dentro e fora de campo na época de cada uma delas. E ainda há um espaço exclusivamente para nos lembrar que em campo juntos pela seleção brasileira, Pelé e Garrincha nunca foram derrotados. Antes de pegar as escadas rolantes que levam para a última parte do museu reparei no Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), setor de pesquisa do museu e com um acervo de mais de 14 mil itens sobre o tema.
A última parte do museu do futebol é na verdade um grande salão multiuso, com mais história e interatividade. O que mais me chamou atenção era uma arquibancada improvisada de frente para um telão, onde naquele momento passava um jogo da Roma (alo Leonardo Sá). Ali também rola o futebol com bola holograma e o espaço do “chute a gol”, que no dia tinha uma fila gigante. Entre essas duas atividades, você descobre em um mural que desde que o Campeonato Brasileiro foi criado em 1971 até 2011, 129 equipes participaram pelo menos uma vez da primeira divisão. Todas estão listadas lá, do ABC de Natal ao XV de Novembro de Piracicaba.
O hype do Higienópolis

O museu é uma baita ideia. Afinal é dentro de um estadio de futebol. Mas o problema é que já não tem mais jogos lá e quando eu fui as visitas ao campo do Pacaembu estavam suspensas em razão das obras. Parte do estádio foi demolida e vai virar um condomínio fechado, mas seria legal que o campo se mantivesse e ao final do percurso o visitante acessasse uma arquibancada de verdade. Mas esse foi um devaneio que tive enquanto atravessava o Bubu Café em direção a praça do contrabandista.
Minha visita durou uma hora e meia, e o caminho de volta seria o mesmo, já que o erro com relação ao ônibus mudou o planejamento. Subi a mesma escada até a rua Itápolis, onde depois de alguns metros já é possível ver o letreiro da FAAP. A faculdade é um dos pontos turísticos de Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. Conhecido pela arquitetura modernista e pela incomum concentração de árvores,
O Museu do Futebol fica a dez minutos de distância a pé da Praça Vilaboim, onde eu comprei a água e via a capa da Placar. A partir dela, você escolhe: pode ir ver alguma exposição gratuita no Instituto Artium, esticar as pernas no Parque Buenos Aires, ou comer em algum dos diversos e caros restaurantes da região. No meu caso o caminho era seguir até a estação Higienópolis/Mackenzie pela Rua Piauí, a mesma de uma certa casa abandonada que virou o grande hype do bairro.
No caminho, separei o fone de ouvido me preparando para Grêmio e Brusque que entrariam em campo pela última rodada do primeiro turno da série B do Campeonato Brasileiro. O tricolor está em quarto e se bobear periga não subir. De fato Mário de Andrade tinha razão: o futebol é uma praga mesmo.