
Los Angeles, Califórnia. O jovem Francis sonhava fazer alguns filmes para cinema quando fundou junto com George, amigo e colega de UCLA a distribuidora American Zoetrop, em dezembro de 1969. Na época, os grandes estúdios ainda davam as cartas, e se você quisesse que sua obra atingisse grandes públicos não havia alternativa a não ser recorrer a eles.
Foi o que os amigos fizeram, e em 1971 a Zoetrop, em parceria com a Warner Bros, lançou o filme THX1138, uma obra de ficção cientifica que só pelo nome você já consegue imaginar o fracasso que foi. O resultado foi uma divida de 400 mil dólares para recém criada distribuidora. Por sorte, a oportunidade para sair do buraco rondava o bairro e não demorou a bater a porta: a Paramount procurava um diretor para a adaptação de um livro sobre uma família siciliana do escritor norte-americano Mario Puzo.
Muitos negaram o convite, alguns com a afirmativa de que “filmes de mafiosos italianos não vendiam”, e eis que a bola estava com Francis, que não achava o livro tão legal assim. “Mas quem se importa, cara, faz esse filme e depois a gente pode fazer o filme que a gente quiser”, teria dito George, Lucas, o amigo e posteriormente criador do universo Star Wars.
E assim Francis Ford Coppola aceitou dirigir O Poderoso Chefão, lançado em 1972. Cinquenta anos depois, o filme está de volta as telas de cinema em alta resolução e a imagem de Dom Vito Corleone segue estampando de meias de algodão aos já clichês quadros da Wall Street Posters.
O filme
O Poderoso Chefão é uma crônica impiedosa da vida de imigrantes nos Estados Unidos. É de fato o que o cinema tem de melhor: fotografia detalhista, atuações transcendentais e direção magistral de um italo americano que sabia a importância de uma reunião familiar, cuja espinha dorsal somos apresentados na cena de abertura do filme. É o casamento de Connie (Talia Shire) filha caçula de Dom Corleone (Marlon Brando), homem com ampla influência na cidade e cabeça chefe da família Corleone.
A festa tem centenas de convidados que variam de parentes distantes a políticos e juízes. Alguns com hora marcada para falar com o Dom dentro da agenda organizada por Tom Hagen (Robert Duvall). Tom é um consegliere, um conselheiro, voz importante nas tomadas de decisão. Ele foi encontrado na rua e criado como se da família fosse. Além da filha Connie, Dom Corleone tem três filhos homens.
Fredo (John Cazale) é o mais velho. Frágil e inseguro, é ele que está presente no atentado ao pai. Sonny (James Caan) é o do meio, truculento e impulsivo que trata tanto o irmão mais velho quanto o mais novo como crianças. Michael (Al Pacino) é o mais novo entre os homens, e o mais distante do negócios da família. No casamento ele acaba de voltar do exército junto com a nova namorada Kay (Diane Keaton).
Há também personagens secundários como o Capo Clemenza (Richard Castellano), uma espécie de professor que ensina desde como fazer molho para espaguete a como manejar uma arma. Todos são apresentados ao longo dos 27 primeiros minutos do filme, tempo que dura a cena do casamento. Após a festa somos levados pelas outras duas horas e meia de filme a Los Angeles, Las Vegas e Itália, intercalando momentos brutais com cenas familiares a mesa – onde não se fala de negócios.
Nada que aparece na tela é em vão e todos os personagens cumprem um papel importante: desde o padeiro Enzo, ao agente funerário Bonasera que se compadece quando o Dom pede ajuda para velar o filho.Os Corleone são de verdade: sofrem e sangram na frente do espectador, e quando não estão fazendo isso, tocam piano, tomam vinho e dão risadas. Logo entendemos que não é nada pessoal, só a maneira de fazer negócios.
O Poderoso Chefão é como uma tragédia Shakesperiana, e que há 50 anos nos ensina como Tolstói, que todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Mas se hoje tudo são flores – ou doces canolis – o mesmo não pode se dizer dos bastidores turbulentos das filmagens. E a história por trás da história poderá ser conhecida na nova série da Paramount+. Streaming do mesmo estúdio que tentou substituir o ator principal, ameaçou demitir o diretor e infernizou a produção de todas as maneiras que um chefe impertinente pode fazer.
Os bastidores
Em 1972 o New York Times anunciou a estreia de O Poderoso Chefão como o retorno de Marlon Brando. Aos 48 anos, o astro dos filmes dos anos 1950 era desprezado e encarado como problema por todos os estúdios a época. “Marlon Brando jamais estrelará esse filme”, Coppola teria ouvido da boca de um executivo. Desde que assumiu o cargo, Francis Ford Coppola teve que lutar para fazer o filme da maneira que queria.
Outro nome que estava fora de cogitação era o de Al Pacino que por ser ainda desconhecido, não era o cara certo para o papel de Michael. A Paramount também queria que o filme se passasse nos anos 1970, em Kansas City, ao invés de ser ambientado como foi, nos anos 1940 em Nova York – era muito mais caro filmar lá. A cabeça do diretor também estava a prêmio: pelo menos quatro vezes ele esteve prestes a ser demitido e era obrigado a conviver com um substituto dentro do set, pronto para assumir a qualquer momento.
Havia também pressão de mafiosos da vida real que queriam acabar com o filme para proteger a imagem dos ítalo-americanos (por esse motivo que a palavra máfia não é dita ao longo de toda obra). O cantor Frank Sinatra era outro que criticava a produção, tendo em vista que foi divulgado que um personagem era inspirado nele e na sua possível conexão com o crime organizado. Coube a Coppola contornar as situações. Em alguns casos mentindo para Brando, em outros colando frases que ouviu na boca do personagem – “Jhonnie Fontane jamais estrelará este filme”.
As histórias sobre os os bastidores do antes, durante e depois das gravações de O Poderoso Chefão foram primeiramente contadas no livro Leave the Gun Take the Canoli, em alusão a frase célebre dita por Clemenza. Agora elas também serão contadas na série The offer da Paramount+, que em 10 episódios narra a jornada de Albert S. Ruddy (Miles Teller), produtor que saiu do mundo da programação de computadores para Hollywood e lutou até o último dia para que o filme fosse feito exatamente como Coppola queria.
Em alusão aos cinquenta anos do lançamento do filme Coppola, Al Pacino e Robert Deniro subiram ao palco na cerimonia do Oscar deste ano para receber uma devida homenagem (logo após o famigerado tapa de Will Smith). Na mesma premiação, mas em 1973, o longa ganhou três prêmios: roteiro adaptado, melhor ator para Marlon Brando que não foi a premiação e melhor filme. Esse último entregue a Albert Rudy, que também também tem seu nome destacado no pôster oficial e, de certa forma, é a primeira pessoa que temos que agradecer por O Poderoso Chefão ser da maneira que conhecemos.
Um comentário em “O Poderoso Chefão: 50 anos da obra prima que quase não existiu”