
Eleito presidente dos Estados Unidos no dia nove de novembro de 2016, Donald Trump nunca encerrou a campanha. Nos últimos quatro anos, manteve comícios e utilizava seu Twitter particular para engajar sua base de eleitores. O projeto “Presidência dos Estados Unidos” o manteve em evidência e a meta principal sempre foi se manter no cargo. Com isso em mente, 2020 é um ano definidor para um personagem que marca a história recente norte-americana.
E nada melhor que assassinar um “terrorista” e vencer um processo de impeachment para dar sinais de que o plano está a pleno vapor? O “terrorista” era o general iraniano Qasem Soleimani, morto por misseis disparados por drones norte-americanos. Já no processo de Impeachment, aberto em 2019, a decisão foi de que Trump não incorreu nos crimes de obstrução de justiça e abuso de poder.
As vitórias do lado republicano no início do ano faziam parecer com que o opositor democrata, ainda desconhecido, faria apenas figuração na eleição presidencial em novembro. Mas os verdadeiros obstáculos frente as ambições trumpistas começariam a aparecer no final de fevereiro quando a primeira morte por Covid-19 foi confirmada. Desde então, o número de óbitos já passou de 170 mil, e o presidente que parecia imbatível caiu nas pesquisas contra o agora já conhecido candidato democrata, Joe Biden.
Os protestos pela morte de George Floyd em maio, colocaram mais tensão no roteiro de um ano imprevisível. E como forma de contra-ataque, o presidente ampliou a estratégia de atrair a atenção para si, acusando a China de espionagem, criticando atletas profissionais por se ajoelharem durante o hino norte-americano e intermediando um acordo de paz histórico entre Israel e Emirados Árabes. Dessa forma, Donald Trump ruma para a decisão no próximo dia 03 de novembro como quando começou no show business: aficionado pelo holofote.
A criação e expansão do personagem
Nascido em Nova Iorque em 1946, Donald John Trump começou a trabalhar no ramo da construção civil seguindo os passos do pai, Fred Trump, notório por obras nos bairros do Brooklin e Queens. Conforme assumia o controle dos negócios da família, Donald investia em imóveis faraónicos como arranha céus, resorts e cassinos. Era um empresário multifacetado, cujo nome e rosto estampavam de fachadas de prédios a jogos de tabuleiro, e sua fama ainda estava em estágio inicial.
Nos anos 1990, já era uma celebridade reconhecida no mundo do entretenimento, fazendo participações na TV e em filmes como Esqueceram de mim 2. Os novos ares e a concretização da reputação como empresário impiedoso e bem sucedido vieram no início do novo milênio com a estreia do programa O Aprendiz em 2004, que inspirou versões brasileiras comandadas por Roberto Justos e João Doria, e cujo bordão “você está demitido” fez de Trump uma das maiores figuras da televisão norte-americana.
A real noção do alcance de Donald Trump como influenciador veio com a criação de uma conta no Twitter. A imagem do homem poderoso e bem sucedido ganhou hordas de seguidores e o passo seguinte não poderia ser outro do que se aproveitar da situação para buscar mais poder. No caso tornar-se o presidente dos Estados Unidos, ideia que não era novidade, já que ele ameaçou concorrer à presidência pelo partido reformista no ano 2000, mas se retirou da disputa na última hora. No ano seguinte, se filiou ao partido democrata onde ficou até 2009.
Em 2015, Trump era tratado como piada quando entrou na disputa pela vaga do partido Republicano, mas daria a última risada ao vencer a eleição no ano seguinte e se tornar o 45º presidente dos Estados Unidos. Desde que tomou posse, a estratégia foi se colocar como patriota em conjunto com o slogan “Make America Great Again”, e a defesa dos valores norte-americanos contra as ameaças do comunismo e a incompleta construção de um muro que separe os Estados Unidos do México.
O medo é uma das principais ferramentas de Donald Trump, que tem a astucia de entender o poder que tem nas mãos e que cada passo que o presidente da na terra é acompanhado por diversas câmeras. Um narcisismo dominante, o qual o estimulo e validação vem daqueles que ajudaram a cria-lo e são hoje chamados de “inimigos do povo”: a mídia.
O desfecho do personagem
Cobrindo as convenções democratas de 1960 o escritor norte-americano Norman Mailer disse que “boa parte da culpa sobre a insanidade da América pesava sobre os repórteres, eles eram os os responsáveis pela criação dos heróis e vilões nacionais”. A frase está no livro O Super-Homem ai ao supermercado, que entre outros políticos expressivos retrata a ascensão de John Fitzgerald Kennedy, candidato democrata e uma das maiores figuras do século XX.
Na época, boa parte da mídia apontava Kennedy como símbolo de uma geração: ele apresentava bons costumes, vinha de uma família rica e bem sucedida e defendia o patriotismo acima de tudo com frases celebres como “não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer pelo seu país”. JFK era uma estrela Hollywoodiana na presidência, cujo charme, carisma e principalmente a morte em 1963, ajudaram a amenizar o passado e lhe transformar em um mártir.
Amado pela sociedade e bem quisto pela imprensa, foi eleito de maneira fraudulenta ao barganhar acordos com o crime organizado. Por esse motivo O resultado das eleições presidenciais de 1960 é até hoje controverso, mas aceito em razão de quem saiu vitorioso. Sessenta anos depois, a mídia não sabe quem é o herói, mas diz que Donald Trump é o vilão.
Em razão da pandemia, a votação, que não é obrigatória nos Estados Unidos, contará com muitos votos enviados pelo correio, fato que foi o suficiente para Trump se recusar a dizer se aceitará o resultado da eleição, além de comprar briga com os serviços de correspondência. Do outro lado, Joe Biden alerta para a possibilidade de interferência externa, já que em 2016 a Rússia foi acusada de ter interferido no resultado da eleição.
Com ou sem interferência, as eleições deste ano representam a conclusão de um importante capítulo nessa história de cobiça, fortuna, glória e qualquer adjetivo shakespeariano que se possa imaginar a uma tragédia chamada Estados Unidos da América. Distante da época de Kennedy, Trump disputa todos os dias com o covid-19 a manchete dos noticiários. O que a permanência desse personagem no comando da Casa Branca por mais quatro anos pode representar nem mesmo o maior gênio literário pode imaginar. Como Norman Mailer afirma: Shakespeare é pequeno perto da América.