Macacos tranquilos com tratamento de estrelas

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Capa do disco “Whatever you say I am, That’s What I’m Not” de 2006 do Arctic Monkeys

As primeiras horas da manhã chegavam a Liverpool, quando Chris McClure foi fotografado dentro de um bar chamado Korova. O vocalista da banda The Violet May olhou diretamente para câmera enquanto fumava e ganhou setenta libras esterlinas pela foto. Contudo, ela não foi vinculada a banda de Chris, mas sim a de uns moleques (na época) chamada Arctic Monkeys.

Junto com a foto, a frase título do trabalho que lançou os macacos ao espaço: qualquer coisa que as pessoas digam que eu sou é exatamente o que eu não sou. Depois de ouvir as três primeiras musicas desse disco (The View from the Afternoon, I Bet You Look Good on the Dancefloor e Fake Tales of San Francisco) não há quem não pergunte “MAS DE QUE CIRCO SAÍRAM ESTES MACACOS”?”

O álbum foi lançado no já longínquo 2006. Um ano “filé mignon” como chamam os jornalistas brasileiros.  Copa do mundo, eleições presidenciais. Claro que eu lembro que o Lula se reelegeu e que a Itália ganhou a Copa. Mas a pergunta que me faço é: como era a minha vida em 2006? Quais eram os planos, devaneios e incertezas que eu tinha há 12 anos ?

Versões de uma mesma pessoa

Show do Arctic Monkeys na Alemanha em 2009, na época a banda fazia turnê do terceiro álbum Humbug

Lembro que estava no colégio. Era para ser o meu ultimo ano na escola. Não foi. Queria festa, não queria compromisso. Fiquei esperando que os professores me salvassem da cova que eu mesmo cavei. No fim, tive que assistir meus amigos se formarem sem mim. Achei que nunca ia conseguir superar isso. Mas os anos passaram e eu já não sinto aquela dor que parecia que me perseguiria . Nem mesmo falo com aqueles amigos como achei que ainda falaria.

Na verdade, não consigo nem pensar em uma resposta quando me pergunto o que realmente buscava com aquele personagem que eu interpretava.Uma criatura com facetas não definidas. Alguem que gritava “Shakira Shakira” quando tocava Hips don’t lie nas festas mas ficava ansioso para ver o show dos Rolling Stones na praia de Copacabana transmitido pela Globo (foi em 2006, lembra?).

Talvez por sorte (ou juízo) o tempo tenha me instigado a conhecer outros mundo, sons e imagens. Ouvir  A Tribe Called Quest e Miles Davis. Trabalhar como advogado querendo ser jornalista. Trocar o certo pelo duvidoso. E no meio disso, os macacos que eu havia conhecido continuavam no meu ouvido. E eis que aqui estamos. 2018 ano de copa e eleições. E o que nos une neste momento? Um novo álbum dos mesmos macacos só que 12 anos mais velhos.

O novo disco

Recebo a noticia do lançamento quando estou voltando para o trabalho. O mesmo trabalho que eu sempre disse odiar, mas que agora eu comecei a fazer o que eu acho que gosto de fazer. Um trabalho bem diferente do que eu pensava lá em 2006. Chego e vou para o auditório onde eu tenho trabalhado no ultimo mês, ligo as caixas de som e abro o Spotify. O nome do novo album já me chama atenção: Tranquility Base Hotel + Casino. Ligo o som logo na primeira musica “Star Treatment” e…

MAS QUE PORRA É ESSA ? QUEM SÃO ESSAS PESSOAS TOCANDO ? QUEM É QUE ESTÁ CANTANDO ? ISSO É UM PIANO NO FUNDO ? Me sinto como aquele personagem do Friends quando vê o seu pequeno macaco de estimação gravando um filme com o Jean Claude Van Damme. Onde estão os riffs agressivos e baterias explosivas daquela época que a galera que ia no beco delirava? DEVOLVAM OS MEUS MACACOS DE ESTIMAÇÃO.

A musica segue. Eu continuo fazendo o que preciso fazer. Aquele som começa a se encaixar na maneira como estou digitando, como estou pensando. Uma pessoa entra no auditório e pergunta que banda era aquela. Me faço de intelectual da musica (tipo o John Cusak no filme Alta Fidelidade) e digo que é o novo do Arctic Monkeys.”Parece até uma banda de Jazz”, diz ele antes de sair.

Dou risada e boto a musica para tocar de novo. Calma lá, veja bem: não é tão ruim assim.  A letra é um cara fazendo um recapitula de sonhos que ele já teve. Ele diz que durante um tempo o grande sonho dele era ser um dos Strokes e que no fim ele descobre que viver é um freak show e que o mundo não é um lugar para ser uma boneca. Legal, gostei.

Novos rumos para uma banda

Arctic Monkeys tocando Mardy Bum no festival Glastonbury da Inglaterra

Acrescento a música a uma playlist que criei chamada “Palco”. Eu  não coloco mais do que cinco músicas de uma banda nessa lista. No caso dos macacos eu tive que tirar Mardy Bum para acrescentar a nova música. Não foi tão difícil, até porque eu lembrei que a versão que eu mais gosto é a que eles tocaram no Glastonbury. As outras quatro músicas deles na playlist são completamente diferentes da ultima acrescentada. Praticamente uma versão diferente da banda que eu sempre gostei.

Será que as outras quatro musicas seriam velhas versões de mim mesmo? Não sei. Pergunta difícil. O certo é que nesses 12 anos de convivência esses macacos ainda conseguem me surpreender. E isso é o que bons músicos fazem. Eles desafiam seus ouvintes, e nesse álbum intimista, o Arctic Monkeys deixa para trás tudo aquilo que construiu, a contar daquele álbum do cara fumando  em 2006.

Ao apertar play ouvimos algo profundamente estranho aos nossos ouvidos. Mas será que aquilo que ouvíamos e dizíamos lá em 2006 já não soa diferente do que um dia já foi? Se eu não sou mais o mesmo, por que eu deveria esperar que os Arctic Monkeys permanecessem iguais?O tempo (provavelmente) instigou eles a buscarem outros mundos, e a sensação que fica é que os macacos cresceram, se envolveram e ficaram mais complexos e – neste processo – se tornaram mais humanos.

Meu telefone toca. Meu primo avisa que vai fazer um churrasco do aniversário dele. Lembro que em 2009, na mesma data, o aniversário caiu  no mesmo dia do show do Oasis em Porto Alegre. O tempo voa. Nesse meio tempo eu penso: NOSSA, TE LEMBRA DO TEMPO QUE TU AMAVA OASIS?

Um comentário em “Macacos tranquilos com tratamento de estrelas

  1. Viajei aqui imaginando a época que conheci os macacos do ártico também! Engraçado como o tempo traz a necessidade de mudança e como amadurecer fica cada vez mais evidente haha, belo texto! Trouxe um significado maior e especial pro álbum que tbm é nosso rs (embora, saudades guitarras tombiem hehe).

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